Foi lavrada em escritura, em agosto, uma união estável entre um homem e duas mulheres. O caso aconteceu na cidade de Tupã, interior de São Paulo, e teve repercussão nacional porque é a primeira vez - ao menos com registro e contrato - que uma união dessas é oficializada.
O advogado Ronaldo Gotlib, autor do livro "Vai Casar? Separar? E se falecer?", explica o teor da união: "Uma vez todos dispondo do mesmo interesse, e concordando com o ajuste entre si, foi firmado um contrato que, uma vez lavrado em cartório, dá noticias a terceiros de sua existência.". "Não é um casamento, mas um ajuste entre três pessoas, provavelmente sobre o patrimônio existente e a ser construído.", ele completa.
Estar num relacionamento é - quase sempre - complicado, e nesse caso a tendência é ainda maior, então "o importante numa relação como essa é estabelecer limites", diz o psicólogo Eduardo Coutinho Lopes. "Não é possível prever os conflitos emocionais que essas três pessoas podem passar porque cada um é cada um, mas o ciúme, achar que está sendo preterida, por exemplo, apesar da poligamia, pode ser uma vertente", conclui.
O caso de Tupã, chamada união poliafetiva, chama atenção por fugir do que a sociedade brasileira considera "normal". "O Brasil é um país cuja maioria da população é religiosa. Ao observar esse aspecto, não creio que relacionamentos "diferentes" serão bem aceitos.", sinaliza Eduardo Coutinho.
Com ou sem aceitação, uma vez lavrada e oficializada, a união permite que os três tenham direitos na relação - como em qualquer contrato. Dr. Gotlib diz: "Não podemos falar em divórcio, pois não existe casamento, e nossa lei, bem como decisões dos tribunais, não acatam a possibilidade da união de mais de duas pessoas". E completa que há direitos a serem preservados: "Tudo o que as partes quiserem dispor, e que a lei permita que assim o façam. Por exemplo, a forma de divisão do patrimônio que for adquirido em conjunto".
A tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, Fernanda Leitão, explica o que consta no acordo numa situação dessas: "Eu não tive a oportunidade de ler a escritura de união poliafetiva, mas, basicamente, o que posso dizer é que a escritura estabeleceu regras patrimoniais e de conduta, funcionando como uma sociedade de fato, rogando, inclusive, pelo seu reconhecimento como uma entidade familiar", diz.
A união poliafetiva ainda não foi discutida no Judiciário e as condições lavradas em Tupã são as únicas que se observam por enquanto. "No âmbito do direito privado, o que não é vedado, é permitido. Então, vale dizer, não existe nenhuma lei que proíba este novo tipo de união", diz Fernanda. Dr. Gotlib complementa o raciocínio do que pode e o que não pode na lei: "Qualquer contrato que não colida com preceitos legais tem validade. O que contrariar dispositivos legais é considerado nulo", diz.
O caso de Tupã pode ser, quem sabe, um primeiro passo. "Para a maioria das pessoas, tudo o que é diferente ou novo choca no início ou causa estranheza", diz Eduardo. "Um grande exemplo disso foi o advento dos biquínis, que eram enormes quando foram criados e ao longo do tempo diminuíram de tamanho", completa.
Então, amigos, há chance de o casamento poliafetivo ser aceito como foi o biquíni? Porque pela imagem que o brasileiro teima em mostrar, sabemos que esse é um dos nossos maiores símbolos. "Casamento a três", e se a moda pega?